Requiem por um Cinema Utópico: Os evangelhos de luz de Abel Gance
Resumo
O texto que aqui apresentamos, partindo dos inúmeros escritos dispersos, fragmentários e plurais que Abel Gance nos legou, pretende delinear uma poética do seu cinema tendo como base um elemento fundamental da criação cinematográfica: a luz. O objetivo é relevar o papel fundamental que a luz ocupa, não apenas no cinema de Gance, mas em toda a sua mundividência artística e na sua existência pessoal, indo do entusiasmo mais fervoroso de cariz religioso ao enlevo mais incisivo de cariz cinematográfico. O texto divide-se em três partes fundamentais. A primeira propõe um breve perfil do autor, enquadrando-o no seu contexto histórico e no universos estético em que se formou, aludindo às suas muitas influências e identificando possíveis descendências. A segunda, que constitui a parte fulcral e mais extensa do texto, aborda precisamente o tema central aqui problematizado, a luz, nas suas múltiplas modalidades e níveis, seja enquanto matéria ou enquanto metáfora. A terceira debruça-se sobre o lado oposto, escuro, lunar, que atravessa a vida do cineasta francês, seja pessoal seja criativamente. Visionário na sua obra fílmica e prolixo no seu legado textual, os seus pensamentos, vastos na sua amplitude temática, densos na sua erudição, plurais no seu estilo, enciclopédicos na sua ambição, constituem um valioso contributo para uma hipotética teoria do(s) cineasta(s), na medida precisamente em que raras vezes uma voz e uma visão foram tão entusiásticas e tão analíticas, tão rigorosas e tão confessionais, tão poéticas e tão elípticas, configurando-se num prisma de múltipla faces que nos permite mergulhar, vertiginosa e profundamente, no zeitgeist criativo de um momento fundamental da história do cinema, a década de 1920, e num dos seus realizadores mais espantosos.