A longa duração (prazo: 15 janeiro 2017)

2016-09-27

A questão da duração no cinema tem merecido uma atenção redobrada graças à tecnologia digital, que permite registar tomadas de vista que se prolongam muito para além dos estreitos 11 minutos que a película impõe. Em simultâneo, tendências como as do ‘slow cinema’ (à letra, ‘cinema lento’) despertaram um renovado interesse na métrica temporal da linguagem fílmica. Em ambos os casos, a duração toma como referência habitual a unidade formal do plano, ora em termos da duração de um plano (o plano longo) ou da duração média dos planos (ASL, ou ‘average shot length’). Contudo, a sua medição regista igualmente uma constelação mais ampla de ansiedades e pressupostos culturais face à economia temporal e valor de uso do lugar e experiência do espectador.

Estas questões parecem ganhar um peso acrescido quando levamos em conta as obras de realizadores como Lav Diaz e Wang Bing, cujos filmes, além de lentos, são também extremamente longos, colocando em cheque a arbitrariedade da duração convencional de um filme. No entanto, o tempo de duração excessivo, ou tido como tal, não é seguramente um exclusivo do cinema contemporâneo, ou do cinema classificado como “lento”. De Napoléon (Abel Gance, 1927) a Shoah (Claude Lanzmann, 1985), de Out 1: Noli me tangere (Jacques Rivette, 1971) a As Mil e Uma Noites (Miguel Gomes, 2015), de Empire (Andy Warhol, 1964) a The Clock (Christian Marclay, 2010), a duração extrema tem vindo a ser explorada dentro de um conjunto muito diverso de estilos, modos e géneros, e a multiplicidade dos seus efeitos e usos ao longo da história das imagens em movimento ainda carece de uma análise cuidada.

Acresce ainda que a duração de uma dada obra é experienciada de forma diferente consoante o(s) espaço(s) de projeção e receção da mesma. A duração impositiva, linear, da sala de projeção de cinema, com as suas horas predeterminadas de início e fim de sessão, dilui-se e fragmenta-se no espaço da galeria de arte, dado que é o visitante que controla o tempo de visionamento, qualquer que seja a duração da obra. O mesmo se aplica ao visionamento doméstico e aos novos modos de visionamento suscitados por ecrãs miniaturizados, onde o tempo não é regulado pelo filme, e onde filmes extremamente longos podem ser vistos de forma episódica. Por outro lado, práticas de visionamento domésticas cada vez mais populares, de que é exemplo a maratona-de-séries, invertem, curiosamente, este processo, na medida em que a serialidade intermitente dá lugar a uma continuidade na duração.

Este dossier temático da Aniki procurará explorar a noção de longa duração nos media audiovisuais através de um enfoque não apenas na duração das obras em si mesmas, ou no tempo necessário para a sua produção, mas questionando igualmente em que medida as condições e espaços de receção determinam e estruturam práticas e modos de visionamento específicos, bem como as implicações estéticas, culturais e políticas mais vastas da longa duração. Assim, acolheremos com particular interesse, mas não em exclusivo, contribuições que tratem os seguintes tópicos:

  • A longa duração e a serialidade
  • A longa duração e a experiência
  • A longa duração e os espaços de receção: a sala de projeção de cinema, a galeria de arte, o espaço doméstico
  • A longa duração e os processos de produção/registo
  • A longa duração, a persistência e os limites da atenção
  • A longa duração e os géneros fílmicos e televisivos
  • A longa duração e o coletivo/individual
  • A longa duração e a absorção/distração
  • A longa duração e os imperativos culturais/comerciais
  • A longa duração e as velhas/novas tecnologias

O prazo para submeter os artigos termina a 15 de janeiro de 2017. Os artigos recebidos serão sujeitos a um processo de seleção e revisão cega por pares. Antes de submeter o seu artigo completo, consulte as Políticas de Secção e as Instruções para Autores.

Tiago de Luca é Assistant Professor em Estudos Fílmicos na Universidade de Warwick. É o autor de Realism of the Senses in World Cinema: The Experience of Physical Reality (2014), editor (com Nuno Barradas Jorge) de Slow Cinema (2016) e editor (com Lúcia Nagib) da coleção Film Thinks: How Cinema Inspires Writers and Thinkers.