A Década de 1990 do Cinema Português: Análise histórica e estética de Glória, de Manuela Viegas
Resumo
O presente artigo propõe uma análise estética de Glória (1999), a única longa-metragem de Manuela Viegas, a partir da sua inscrição na história mais recente do cinema português. Desde 1980, Viegas destaca-se como montadora de importantes filmes portugueses, a saber: Conversa Acabada (1981), de João Botelho, Silvestre (1981) e À Flor do Mar (1986), de João César Monteiro, Gestos e Fragmentos – Ensaio Sobre os Militares e o Poder (1984), de Alberto Seixas Santos, O Sangue (1990), de Pedro Costa, A Idade Maior (1991), de Teresa Villaverde, entre outros. Glória surge num contexto particularmente frutífero do cinema português, a década de 1990, pautada, por um lado, por uma continuidade – o cinema português continuava a par das tendências estético-formais vigentes no resto do mundo –, por outro lado, por uma ruptura, especialmente do ponto de vista identitário – o cinema português deixava de se querer tão ou nada “português”, rejeitando a categorização estanque de “nacional” para se afirmar trans-histórica e nacionalmente. Nas últimas décadas, a construção e linearidade da história do cinema português tem sido alvo de um esforço de pluralização e descentramento, através da interrogação e, sempre que possível, expansão do cânone. Tratando-se de um processo ainda em curso, uma das maiores preocupações dos investigadores e historiadores contemporâneos é a de colmatar uma das mais evidentes ausências dessa “construção histórica”: o cinema, em sentido abrangente (realização, montagem, direcção de fotografia, direcção de som, produção, etc.), feito por mulheres, relegado para as margens do esquecimento no contexto da produção portuguesa – como foi o caso de Glória, de que são conhecidos poucos textos críticos ou académicos.
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Filmografia
Acto da Primavera [longa-metragem, 35mm]. Real. Manoel de Oliveira. Portugal, 1963. 78min.
Trás-os-Montes [longa-metragem, 35mm]. Real. António Reis e Margarida Cordeiro. Portugal, 1976. 118min.
Conversa Acabada [longa-metragem, 35mm]. Real. João Botelho. Portugal, 1981. 96min.
Silvestre [longa-metragem, 35mm]. Real. João César Monteiro. Portugal, 1981. 103min.
Gestos e Fragmentos - Ensaio Sobre os Militares e o Poder [documentário, 35mm]. Real. Alberto Seixas Santos. Portugal, 1984. 85min.
O Movimento das Coisas [longa-metragem, 35mm]. Real. Manuela Serra. Portugal, 1985. 100min.
À Flor do Mar [longa-metragem, 35mm]. Real. João César Monteiro. Portugal, 1986. 103min.
O Sangue [longa-metragem, 35mm]. Real. Pedro Costa. Portugal, 1990. 93min.
A Idade Maior [longa-metragem, 35mm]. Real. Teresa Villaverde. Portugal, 1991. 108min.
Casa de Lava [longa-metragem, 35mm]. Real. Pedro Costa. Portugal/França, 1995. 95min.
Corte de Cabelo [longa-metragem, 35mm]. Real. Joaquim Sapinho. Portugal, 1995. 80min.
Os Mutantes [longa-metragem, 35mm]. Real. Teresa Villaverde. Portugal, 1998. 89min.
Glória [longa-metragem, 35mm]. Real. Manuela Viegas. Portugal, 1999. 90min.
No Quarto da Vanda [longa-metragem, 35mm]. Real. Pedro Costa. Portugal, 2000. 90min.
Um Filme Português [longa-metragem, digital]. Real. Vítor Alves, Miguel Cipriano, Vanessa Sousa Dias, Jorge Jácome, Levi Martins e Carlos Pereira. Portugal, 2011. 127min.