Teorias, práticas e ontologias do ator no audiovisual (prazo: 15 de dezembro de 2018)

2018-08-04

Dentro da tradição de estudos de cinema, o ator, profissional ou não, sempre o teve o seu lugar relegado para um segundo plano, como um adendo da construção prática e simbólica do filme. Este dossiê temático pretende questionar esse posicionamento e colocar o ator de cinema no centro da sua problemática e ação, como lugar de expressão, de produção de sentido, de construção de formais visuais e narrativas e de possibilidade de intermediação afetiva. Ou seja, pretendemos pensar a sua ontologia em relação com outros modos de analisar a prática do ator para além da crítica sobre a qualidade mimética do seu jogo, propondo que se estabeleçam relações com outros meios de representação que utilizam o corpo humano como centro de construção de sentido.

Este dossiê contempla assim uma dupla vertente para abordar a questão que propõe. Uma primeira que se apoia nos estudos atorais (acting studies), subsidiária dos star studies culturalistas, visando produzir conhecimento sob um ângulo estilístico ligado à estética do ator no cinema e no audiovisual. Podem ser abordadas as relações com os elementos de mise-en-scène (fotografia, montagem, enquadramento, texto), com o realizador, com a técnica, com o personagem e com os discursos parafílmicos (discursos mediáticos, publicitários, textos parafílmicos, etc.). Abordagens inovadoras como as de James Naremore (1988), Patrick McGilligan (1975), Luc Moullet (1993), Christian Viviani (2015) e Christophe Damour (2016) podem ser norteadoras desse pensamento, que entende o ator sob duas óticas: a do “corpo” e a da “persona”. A primeira engloba a parte mais facilmente visível, concreta e material, qualificável e quantificável do ofício do ator; a segunda compreende a parte mais abstrata da dimensão atoral, a imagem pública do ator, construída pelos discursos fílmicos e parafílmicos.

O dossiê contempla ainda uma segunda vertente que se apoia nos estudos associados à chamada “viragem performativa” (Fisher-Liche, 2008) e que olham para o trabalho do ator de uma perspetiva mais corpórea do que textual, capaz de influenciar as escolhas estéticas do realizador e a receção do filme pelo espectador. Esta dimensão pode relacionar-se com as diversas escolas e movimentos no interior do cinema e pode ainda incluir possibilidades frutíferas de diálogo com as bases do pensamento teatral em que essa rutura paradigmática também ocorreu (Brecht, Artaud, Grotowski, Brook, Schechner, Kirby, Beck e Malina, Auslander, Boal, Martinez Correa, entre tantos outros). Pretendemos neste campo propor uma discussão que conjugue essa viragem performativa com os vários caminhos que a “viragem realista” (Bazin, 1971) e as derivas “paraficcionais” (Ribas, 2016; Lambert-Beatty, 2009) foram percorrendo ao longo do século XX e primeiras décadas do século XXI, tendo como uma das suas mais visíveis expressões a chamada à cena de atores não-profissionais e a consequente reflexão sobre os espaços sensíveis que ocorrem entre a representação e a não-representação; entre a personagem ficcional e a dimensão biográfica do intérprete; a persona do ator e a sua utilização pelo texto fílmico.

Por fim, pretende-se ainda abrir espaço a reflexões que sigam genealogias cinematográficas dissonantes dos modelos hegemónicos convencionais e que deem voz a sujeitos tendencialmente menos visíveis nos discursos em torno do cinema.

 

Tópicos específicos deste dossiê podem conter:

  • Análises estéticas sobre o jogo atoral de determinado intérprete ou sobre a conceção de atuação segundo determinado realizador.
  • Reflexões sobre a presença do corpo na cena tomando como ponto de vista a experiência do intérprete, as múltiplas identidades do sujeito cinematográfico e a construção de sua persona.
  • Possibilidades de cotejo entre atuação teatral e atuação cinematográfica, tendo como parâmetros as particularidades no jogo no cinema.
  • Compreensão do ator dentro de um sistema mais amplo de signos, evocando campos de conhecimento ligados às ciências humanas (sociologia, economia), às artes (teatro, pintura, fotografia) e à comunicação.
  • Análise sobre as potencialidades estéticas e éticas do limiar paraficcional, categoria que pode incluir discussões em torno do cinema documental e de influência etnográfica.
  • Geografias e sujeitos cinematográficos dissonantes ou o cinema como “aproximação ao segredo do outro” (Rancière, 2009).

 

Referências

BAZIN, André (1971). “An Aesthetic of Reality: Cinematic Realism and the Italian School of the Liberation”, in What is cinema? (Vol. II).  Berkeley/Los Angeles/Londres: University of California Press.

DAMOUR, Cristophe (2016). Montgomery Clift, le premier acteur moderne. Estrasburgo: Accra/Presses Universitaires de Strasbourg.

FISCHER-LICHTE, Erika (2008). The Transformative Power of Performance: A New Aesthetics. Londres: Rutledge.

McGILLIGAN, Patrick (1975). Cagney, the Actor as Auteur. Londres: A.S Barnes, South Brunswick, Tantivity.

MOULLET, Luc (1993). Politique des acteurs. Paris: Editions de l’Etoile/Cahiers du Cinéma.

NAREMORE, James (1988). Acting in the cinema. Berkeley/Los Angeles/Londres: University of California Press.

RANCIÈRE, Jacques (2009). “Política de Pedro Costa”, in Cem mil cigarros: os filmes de Pedro Costa. Lisboa: Orfeu Negro.

RIBAS, João (2016). “Salomé Lamas: Parafictions”, in Parafictions. Milão: Mousse Publishing.

VIVIANI, Christian (2015). Le magique et le vrai, l’acteur de cinema, sujet et objet. Paris: Rouge Profond.

O prazo para submeter os artigos termina a 15 de dezembro de 2018. Todos os artigos recebidos serão sujeitos a um processo de seleção e revisão cega por pares. Antes de submeter o seu artigo completo, consulte as Políticas de Secção e as Instruções para Autores.

 

Biografias dos editores convidados

Pedro Guimarães é Professor do Departamento de Cinema e do Programa de Pós-Graduação em Multimeios da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp – Brasil). Coordena o Grupo de Estudos sobre o Ator no Cinema (GEAs) e é autor de artigos sobre o ator no cinema, géneros cinematográficos e teoria do cinema.

Teresa Fradique é Professora Adjunta na Escola de Artes e Design de Caldas da Rainha (IPLeiria) e investigadora integrada do Centro em Rede de Investigação em Antropologia. Integra atualmente a coordenação do Núcleo de Antropologia Visual e Arte (CRIA) e tem publicado e intervindo nas áreas da performance e cultura visual.