A teatralidade como vetor do ensaio fílmico no documentário brasileiro contemporâneo
Resumo
Este texto analisa o filme Jogo de cena (2007), de Eduardo Coutinho, recorrendo aos conceitos de filme-ensaio e de teatralidade e tendo como contexto histórico o documentário brasileiro contemporâneo. Pensado como exercício livre das regras de género, o filme-ensaio requer a presença explícita de uma dimensão reflexiva que se apoia no emprego de formas e técnicas cinematográficas concretas. Se filmes como Lettre de Sibérie, Deux ou trois choses que je sais d’elle (1966), de Godard, ou também Santiago (2007), de João Moreira Salles, são ensaios que se constituem pela justaposição entre comentário over e imagem, Jogo de cena, ao contrário, se apoia somente na entrevista em som direto. A indistinção entre mulheres voluntárias que narram a sua própria experiência e atrizes que seguem um script tornam os seus relatos de vida, cada qual a seu modo, expressivos, embora não necessariamente ‘verdadeiros’. Forma de comentar a teatralidade implicada na relação entre depoente, câmera e cineasta, esta indefinição obriga a repensar a relação entre registro documental e teatro, pessoa e personagem, dando ensejo a uma reflexão sobre o sujeito como um constructo e os seus ‘relatos de vida’ como performances catalisadas pelo efeito-câmera. Coutinho inova porque trabalha a reflexividade numa intersecção em que o meta-cinema encontra o meta-teatro, constituindo um filme-ensaio.