CFP: Desafios metodológicos e conceptuais na investigação baseada na prática artística cinemática (prazo: 15 de janeiro de 2025)

2024-10-25

Convite à apresentação de propostas inéditas para o próximo dossier temático da Aniki: Revista Portuguesa da Imagem em Movimento, subordinado ao tema dos Desafios metodológicos e conceptuais na investigação baseada na prática artística cinemática [Methodological and conceptual challenges in cinematic Arts-Based Research].

Arts-Based Research corresponde a um campo disciplinar em expansão identificado por terminologias várias, tais como Practice-Based Research, Practice-Oriented Research, Artistic Research, Art Research, Studio-Based Research, reportando a uma modalidade de pesquisa transversal aos domínios das artes visuais, performativas e da imagem em movimento, em diálogo com outras artes, ciências e humanidades – corporizando uma ecologia de práticas (Stengers 2005).

Do esforço de teorização emerge uma tensão simbiótica entre instituições académicas e indivíduos/coletivos com percursos profissionais nas artes – ao nível de protocolos de criação e de produção de conhecimento – e um gatekeeping que acolhe trajetos metodológicos segregados (Cotter 2019). No ensino superior, multiplicam-se os doutoramentos em artes visuais, cinema e media artes, que constituem férteis campos de hibridação e fertilização artística e especulativa. Esta tendência tem desafiado os cânones vigentes ao motivar a criação de trabalhos artísticos e a validação de percursos de investigação / criação orientados para a materialização em peças artísticas heteróclitas, ensaios e outros objetos epistémicos que transcendem a forma textual (Boomgaard 2022) e exploram modos de documentação e publicação multimédia que afetam em simultâneo a criação, a pesquisa e a recepção por públicos não-académicos – exacerbando o seu impacto sociocultural.

A partir de um cariz eminentemente experimental, atenta às problemáticas emergentes, esta modalidade de pesquisa integra e discute tanto questões ecológicas e de ação social, como o efeito dos algoritmos na organização de coleções, na catalogação e no arquivismo do cinema, o que possibilita novos modos de encontro entre o público, a arte e a tecnologia (Fuller, Weizmann 2021).

A expansão destas práticas transdisciplinares tem desafiado as taxonomias mais ortodoxas do sistema artístico, académico e cultural, com evidente repercussão no plano da criação, mas também do estudo e da recepção das obras, alargando as bases conceptuais para o seu entendimento e contribuindo também para reformular o discurso crítico (Pareyson 1984), a partir do espaço “entre” as artes (Deleuze 1985), seja na imanente condição fílmica, seja na vertente performativa, instalativa e multissensorial, que além de nutrir o sistema das artes tem contribuído para questionar representações do passado.

A grande pertinência da investigação baseada, a partir, e através da prática artística decorre de múltiplos factores, nomeadamente por permitir:

  1. Encarar o processo criativo como fonte de conhecimento, valorizando os insights gerados pela prática de fazer filmes;
  2. Explorar novas formas e estéticas de narrativa a partir das regras intrínsecas ao campo cinemático, combinando diferentes média e potenciando novas formas de relação com o público;
  3. Questionar convenções cinematográficas e culturais, aspecto particularmente relevante em termos de representação, identidade e política, a partir do impacto visual e emocional das práticas documentais experimentais disruptivas (Agnès Varda, Kamal Aljafari);
  4. Explorar, integrar ou mesmo subverter a tecnologia (Rosa Menkman, Forensic Architecture);
  5. Promover a reflexividade e a autoconsciência crítica sobre o próprio processo criativo, questionando escolhas, métodos, narrativas e abordagens ao próprio acto de fazer (Werner Herzog, Trinh T. Minh-ha);
  6. Sistematizar o conhecimento tácito e intuitivo decorrente dos contextos de produção e de manipulação de materiais fílmicos (Jonas Mekas, Chantal Akerman, David Lynch);
  7. Visibilizar o cruzamento do cinema contemporâneo com outras formas de arte, na fricção entre mediação e mediatização (Manu Luksch, Bill Viola), cuja hibridação permite explorar interseções entre representação e imersão; e
  8. Admitir um “novo sensoria” decorrente da sintopia entre arte, ciência e tecnologia, em convergência com o avanço das interfaces de realidade estendida (EX) que exploram uma sinestesia alargada e alteram a percepção do corpo e do mundo (Ron Fricke, Ryoji Ikeda).

Neste quadro, o dossier temático da Aniki pretende coligir perspectivas múltiplas sobre a pertinência, a especificidade e o alcance do contributo da Arts-Based Research no campo das artes cinemáticas, considerando a interferência desta na criação, na emergência de novas abordagens conceptuais e na sua repercussão cultural e sociopolítica.

Este convite estende-se a artistas e curadores ativos no campo da imagem em movimento, cineastas e outros agentes envolvidos na produção de obras, conteúdos e reflexão crítica sobre o campo fílmico e cinemático expandido.

Procuramos contribuições de artigos que:

  • Se foquem na incorporação de práticas e conhecimentos na investigação através de abordagens artísticas não-académicas;
  • Reflitam sobre práticas e estratégias de pesquisa heterodoxas, anarquivícas e decoloniais possibilitadas pela practice-based research;
  • Analisem implicações da inter e transdisciplinaridade, ou até da transmedialidade como agentes numa realidade específica;
  • Estudem exemplos emergentes de processos de pesquisa artística que contribuam para a inovação e análise crítica do campo expandido do cinema;
  • Proponham abordagens investigativas ancoradas nas práticas artísticas promotoras de perspectivas críticas sobre problemáticas emergentes;
  • Considerem práticas artísticas concebidas a partir de esforços de autoetnografia ou de autoficção incluindo, mas não se limitando a, ontologias e epistemologias oceânicas (tidalectics), feministas, Queer, BIPOC, grassroots, ecológicas, decoloniais e anti-genocídio.

Este dossier temático é coordenado por Paula Albuquerque (Universidade Nova de Lisboa e Gerrit Rietveld Academie em Amesterdão) e Francisco Paiva (Universidade da Beira Interior e iA* Unidade de Investigação em Artes).

Paula Albuquerque é uma artista e investigadora portuguesa radicada em Amesterdão com exposições individuais nas galerias Zone2Source (2024), Bradwolff Projects (2023, 2018, 2015), Looiersgracht 60 (2023) e Nieuw Dakota (2020); com filmes presentes nos Festivais Internacionais de Cinema IDFA (2024), Ji'hlava IDFF (2024), DocAlliance (2024), DocLisboa (2023), Sheffield DOC|Fest (2020) e Rotterdam IFFR (2016); e com comunicações nas conferências EYE International, Media in Transition no MIT, NECS e Visible Evidence. Publicou os livros Enter the Ghost — Haunted Media Ecologies (2020) e The Webcam as an Emerging Cinematic Medium (2018). Afiliada como Investigadora Sénior da Gerrit Rietveld Academie em Amesterdão, e Investigadora Auxiliar no Instituto de História Contemporânea (IHC) da Universidade Nova de Lisboa. É atualmente membro do Conselho de Supervisão de Framed Framed Contemporary Art Platform em Amesterdão.

Francisco Paiva é Professor Catedrático da Universidade da Beira Interior (ubi.pt). Doutorado em Belas Artes pela U. País Basco, Bilbau, licenciado em Arquitectura pela U. Coimbra e em Design pela U. Lisboa. Dirigiu durante 8 anos o curso de Design Multimédia e criou o Doutoramento em Media Artes da UBI em 2017. Coordena o Grupo de Investigação em Artes do Labcom (labcom.ubi.pt) desde 2014. Preside à Comissão Instaladora da iA* Unidade de Investigação em Artes (iartes.ubi.pt) desde 2023. Orientou numerosas dissertações e participa regularmente em júris, comissões científicas e conselhos editoriais de publicações especializadas, tendo sido professor visitante em várias escolas. Desenvolve pesquisa, criação e curadoria sobre espácio-temporalidade, intermedialidade e identidade nas Artes. Coordenador científico da DESIGNA (designa.ubi.pt), desde 2011, da Montanha Mágica* Arte e Paisagem (montanhamagica.ubi.pt) e das Jornadas de Investigação em Artes (iartes.ubi.pt/jornadas). Foi Director Executivo da Candidatura da Covilhã a Cidade Criativa da UNESCO, aprovada em 2021. Integra a Coolabora - cooperativa de intervenção social.

O prazo para submissão de artigos completos e originais é 15 de Janeiro de 2025.

Os artigos recebidos serão sujeitos a um processo de seleção (pelos editores) e revisão cega por pares (por avaliadores externos). Os textos devem ter até 8000 palavras e incluir, em português e inglês: um título, um resumo de até 300 palavras e um máximo de 6 palavras-chave.

Antes de submeter o seu artigo, reveja todas as instruções aqui.

Em caso de dúvida, contacte: aniki@aim.org.pt

Bibliografia

Boomgaard, Jeroen e Clarke, Katie. 2022. Hinterlands: How To Do Transdisciplinarity. Amsterdam: ARIAS Amsterdam.

Cotter, Lucy. 2019. Reclaiming Artistic Research. Berlin: Hatje Cantz.

Deleuze, Gilles. 1985. L'image-temps. Cinéma 2. Paris: Les éditions de Minuit, coll. Critique.

Fuller, Matthew, e Eyal Weizmann. 2021. Investigative Aesthetics: Conflicts and Commons in the Politics of Truth.London e New York: Verso Books.

Henke, Silvia, Dieter Mersch, Nicolaj van der Meulen, Thomas Strässe, e Jörg Wiesel. 2020. Manifesto of Artistic Research: A Defense Against Its Advocates. Zurich: Diaphanes.

Pareyson, Luigi. 1984. Os Problemas da Estética. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora.

Smith, Hazel, e Roger Dean. 2010. Practice-led Research, Research-led Practice in the Creative Arts. Edinburgh: Edinburgh University Press.

Stengers, Isabelle. 2005. "Introductory Notes on an Ecology of Practices." Cultural Studies Review 11 (1): 183–96. Accessed May 1, 2021. https://epress.lib.uts.edu.au/journals/index.php/csrj/issue/view/165