A Pesquisa Histórica no Cinema Ibero-americano: Perspectivas e desafios na era digital (prazo: 15 Julho 2021)

2021-01-28

O objetivo principal do dossiê é o de refletir sobre os rumos atuais da pesquisa histórica em cinema no mundo ibérico e latino-americano, pensando os desafios impostos pela contemporaneidade e as perspectivas existentes. Os esforços no sentido de elaborar um sistema de compreensão das experiências ocorridas no passado que relacione a análise fílmica e os dados da produção cinematográfica em suas diferentes manifestações às questões de contexto constituem uma das tarefas do trabalho do historiador (Oliveira Mazzini e Torello 2016). Ao longo de décadas, o acúmulo de conhecimento contribuiu para a formação de uma historiografia, podendo, conforme o contexto, ser definida como clássica ou nova, denominação frequente em artigos e livros sobre o assunto (Bernardet 1995; Elsaesser 2004; López 2006; López e Tierney 2014; Paranaguá 2015; Ramos e Schvarzman 2018). Parafraseando os títulos das três obras paradigmáticas organizadas por Pierre Nora e Jacques Le Goff nos anos 1970 (1976a, 1976b, 1976c), a nossa intenção é de avaliar o estatuto das novas abordagens, novos objetos e novos problemas nas pesquisas históricas mais recentes e os possíveis caminhos a serem enfrentados na articulação entre teoria e prática.

Se observarmos a forma como se constituiu o pensamento sobre o cinema em países em que a atividade se consolidou do ponto de vista industrial, como ocorreu nos Estados Unidos e na França desde os anos 1910, notaremos que o impacto trazido pelo novo meio de comunicação foi acompanhado de intensa reflexão sobre o seu estatuto documental, dentre outras dimensões. A importância do cinema como fonte histórica de sua época já havia sido afirmada pelo fotógrafo e cinegrafista Boleslas Matuszewski que, em 1898, publicou o opúsculo intitulado Uma Nova Fonte para a História (Matuszewski 2006). Se a via para o entendimento do cinema como testemunho tinha sido aberta, o percurso que procurasse articular os eventos dentro de uma linha narrativa maior tem em Georges-Michel Coissac, nos anos 1920, um momento decisivo. Em um dos congressos científicos da Exposition Internationale des Arts Décoratifs et Industriels Modernes, realizada em Paris em 1925, fez uma palestra em que realiza um apanhado histórico do cinema francês de 1895 a 1924, síntese, provavelmente, do livro Histoire du Cinéma: des ses origines jusqu’à nos jours, lançado no mesmo ano (Morettin 2016, 123). Mesmo que a preocupação aqui seja de caráter enciclopédico e “concentrada em narrar processualmente a evolução da técnica” (Zanatto 2019), temos um ponto de partida no qual os historiadores que vieram depois puderam ou se alinhar ou se contrapor, em uma trajetória que possui, dentre outros pontos luminosos, o já conhecido Congresso da Federação Internacional de Arquivos de Filme (FIAF), ocorrido em Brighton em 1978, que, centrado no período histórico conhecido como ‘primeiro cinema’, trouxe uma nova perspectiva de método, mais abrangente, articulando o exame dos pequenos filmes ao contexto cultural ao qual estes se encontram vinculados.

Em contextos em que o cinema pouco se articulou economicamente em nível industrial, como é o caso em geral dos países ibéricos e latino-americanos, a produção historiográfica enfrenta inúmeros desafios, o que não impede a continuada reflexão sobre o passado, como bem expressa a criação das revistas Studies in Spanish & Latin AmericanCinemas em 2004 e de Vivomatografías. Revista de estudios sobre precine y cine en América Latina em 2015, dentre outros periódicos que poderiam ser citados. Mesmo que a reflexão seja original e renovada, a primeira implicação decorrente dessa desarticulação se relaciona à carência ou de acervos ou de arquivos, tanto fílmicos quanto documentais, que permitam a constituição de um campo amplo e diversificado de reflexão histórica sobre o processo cultural envolvido no fazer cinema.

Como se sabe, a pesquisa em história do cinema sempre dependeu dos arquivos audiovisuais e Cinematecas, muitos deles em risco na América Latina, como é o caso da Cinemateca Brasileira. Sempre é preciso ressaltar a importância estratégia dos acervos, pois armazenam filmes, cartazes, roteiros, reportagens – documentos que, articulados pelo pesquisador ao método escolhido, à formação de núcleos temáticos e de conceitos, e à constituição de uma periodização, constroem a história de determinada cinematografia. Em 2020 a forma privilegiada de acesso às fontes foi por meio do digital, o que certamente acentuou os desafios que já se colocavam desde o início do século XXI (Cuarterolo 2017). Se com os filmes a dimensão de apreensão de sua visualidade está se modificando com o seu visionamento em celulares e computadores, há uma crescente perda de contato com a materialidade das fontes pelo contínua pesquisa a bases de dados e repositórios (de arquivos/ cinematecas ou não). Pensar as implicações desta situação para a pesquisa histórica em cinema constitui um dos objetivos do presente dossiê.

Os eixos temáticos abaixo indicam algumas das áreas de interesse, mas receberemos com especial interesse trabalhos – completos e inéditos – que explorem temas, objetos e fontes pouco exploradas nos estudos histórico de cinema. 

Eixos temáticos:

Os ensaios submetidos podem incluir, embora não exclusivamente, os seguintes tópicos:

  • Estudos sobre as vertentes historiográficas do cinema, com reflexão acerca de suas categorias de análise;
  • As diferentes perspectivas de abordagem da história do cinema;
  • As possíveis conexões entre a pesquisa documental, a análise fílmica e história, com a indicação de caminhos possíveis para a ampliação do campo;
  • Os desafios trazidos pelo digital e a crescente perda de contato com a materialidade das fontes;
  • O papel atual dos arquivos fílmicos, museus de cinema e das Cinematecas na pesquisa histórica;
  • A história dos estudos de cinema, a constituição do campo e a sua reconfiguração;
  • A emergência de novos temas e objetos de estudo;
  • A desnacionalização dos estudos sobre cinema: enfoques comparativos e transnacionais;
  • A descentralização dos estudos sobre cinema: a história do cinema fora das grandes capitais;
  • O crescente interesse pelo estudo de filmes não comerciais (cinejornais, filmes amadores, filmes familiares, filmes educativos e científicos etc.);
  • Os estudos intermediais.

Este dossiê temático é coordenado por Andrea Cuarterolo (Universidad de Buenos Aires, Argentina), Eduardo Morettin (Universidade de São Paulo, Brasil) e Georgina Torello (UdelaR, Uruguay).

Andrea Cuarterolo é doutora em História e Teoria das Artes pela Universidad de Buenos Aires. É Pesquisadora Adjunta do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET) e docente na Universidad de Buenos Aires. É autora do livro De la foto al fotograma: Relaciones entre cine y fotografía en la Argentina 1840–1933(CdF Ediciones, 2013) e coeditora de Pantallas transnacionales. El cine argentino y mexicano del período clásico(Imago Mundi/Cinemateca Nacional de México, 2017) e Diez miradas sobre el cine y audiovisual (Editorial de la Facultad de Filosofía y Letras de la UBA, 2018). Desde 2016 é uma das coordenadoras do Centro de Investigaciones y Nuevos Estudios sobre Cine (CIyNE) e editora, com Georgina Torello, de Vivomatografías. Revista de estudios sobre precine y cine silente en Latinoamérica.

Eduardo Morettin é professor da Universidade de São Paulo. É autor de Humberto Mauro, Cinema, História (SP, Alameda Editorial, 2013) e um dos organizadores, dentre outros trabalhos, de O Cinema e as Ditaduras Militares: Contextos, memórias e representações audiovisuais (SP, Intermeios, 2018). É um dos líderes do Grupo de Pesquisa CNPq História e Audiovisual: Circularidades e formas de comunicação. Foi professor convidado do Institut des Hautes Études de l’Amérique Latine da Université Sorbonne Nouvelle Paris 3 (2019).

Georgina Torello é Ph.D. pela University of Pennsylvania e professora no Departamento de Letras Modernas da Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación (UdelaR, Uruguay). É autora de La conquista del espacio. Cine silente uruguayo (1915-1932) (Montevideo: Yaugurú, 2018) e editora de Uruguay se filma. Prácticas documentales(1920-1990) (Montevideo: Irrupciones Grupo Editor, 2018). Atualmente, é uma das coordenadoras do Grupo de Estudios Audiovisuales (GEstA, Uruguay) e, nesse âmbito, corresponsável pelos projetos sobre cinema na UdelaR (CSIC y EI). Dirige, junto com Andrea Cuarterolo, a revista Vivomatografías. Revista de estudios sobre precine y cine silente en Latinomérica.

O prazo para submeter os artigos termina a 15 de julho de 2021.

Os artigos recebidos serão sujeitos a um processo de seleção (pelos editores) e revisão cega por pares (por avaliadores externos). Os textos devem ter entre 6000 e 8000 palavras e incluir, em português e inglês (e ainda em espanhol, se for essa a língua do texto): um título; um resumo até 300 palavras; e um máximo de 6 palavras-chave.

Antes de submeter o seu artigo completo, consulte aqui as Políticas de Secção, as Instruções para Autores e a Política de Revisão por Pares.

Para submeter uma proposta, por favor, clique aqui.

Em caso de dúvida, contacte: aniki@aim.org.pt

 

Referências

Bernardet, Jean-Claude. 1995. Historiografia Clássica do Cinema Brasileiro. Metodologia e Pedagogia. São Paulo: Annablume.

Cuarterolo, Andrea. 2017. “El archivo en la época de su reproductibilidad técnica. Recursos digitales para el estudio del cine silente latinoamericano”. Vivomatografías. Revista de estudios sobre precine y cine silente en Latinoamérica, 3: 416-447.  Disponível em: http://www.vivomatografias.com/index.php/vmfs/article/view/143.

Elsaesser, Thomas. 2004. “The New Film History as Media Archaeology”. Histoires croisées des images. Objets et méthodes, 14 (2-3) : 75-117.

Le Goff, Jacques e Nora, Pierre. 1976a. História: Novas Abordagens. Rio de Janeiro: Francisco Alves Ed.

Le Goff, Jacques e Nora, Pierre. 1976b. História: Novos Objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves Ed.

Le Goff, Jacques e Nora, Pierre 1976c. História: Novos Problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves Ed.

López, Ana M.  2006. “The State of Things: New Directions in Latin American Film History”. The Americas 63 (2): 197-203.

López, Ana M. y Tierney, Dolores. 2014. “In Focus: Latin American Film Research in the Twenty-First Century”. Cinema Journal 54 (1): 112-142.

Matuszewski, Boleslas. 2006. Écrits cinématographiques. Paris : Association Française de Recherche sur l’Histoire du Cinéma/Cinémathèque Française. Édition établie par Magdalena Mazaraki.

Morettin, Eduardo. 2016. “O lugar do cinema na Exposition Internationale des Arts Décoratifs et Industriels Modernes(Paris, 1925): Entre a modernidade e a tradição”. In: Ana Paula Spini, Luciene Lehmkuhl, e Valéria Mara da Silva (orgs.), 115-133. Imagens na Escrita da História. São Paulo: Rafael Copetti Editor.

Olivera Mazzini, María José, e Torello, Georgina. 2016. “¿Doble Redota? Representación del héroe patrio José Gervasio Artigas.” Cinémas d’Amérique Latine, 24 : 76-91.

Paranaguá, Paulo. 2015. “Memoria e historia del cine en América Latina”. In: Aurelio De Los Reyes, e David Wood (coords.), 21-32. Cine mudo latinoamericano. Inicios, nación, vanguardias y transición. México: UNAM.

Ramos, Fernão e Schvarzman, Sheila. 2018. Nova História do Cinema Brasileiro, vols. 1 e 2. São Paulo: Edições Sesc São Paulo.

Zanatto, Rafael. 2019. “Paulo Emílio e a formação dos estudos históricos de cinema na Europa”. Significação: Revista de cultura audiovisual,  46 (52): 39-59.